Espaços Vetoriais com Produto Interno

Álgebra Linear

Na aula de hoje, vamos estudar o conceito de produto interno em espaços vetoriais e entender como ele se relaciona com as noções de norma, ângulo entre vetores, ortogonalidade e bases ortogonais.

1. Norma de um Vetor

Considere um vetor \( v = (x_1, y) \in \mathbb{R}^2 \). O tamanho (ou comprimento) de \(v\), denotado por \( \| v \| \), pode ser interpretado geometricamente como a hipotenusa de um triângulo retângulo, com catetos \(x_1\) e \(y\).

Pelo Teorema de Pitágoras: \[ \| v \| = \sqrt{x_1^2 + y^2}. \]

Um vetor \( v \) é dito unitário ou normalizado quando \( \| v \| = 1 \).

2. Produto Interno

O produto interno (ou produto escalar) entre dois vetores \( u = (x_1, y_1) \) e \( v = (x_2, y_2) \) é definido como: \[ \langle u, v \rangle = x_1 x_2 + y_1 y_2. \]

O resultado do produto interno é sempre um número real, diferentemente do produto vetorial, que gera um novo vetor (apenas no \(\mathbb{R}^3\)).

Interpretação Física: Trabalho

Na Física, se \( F \) é uma força e \( v \) uma velocidade, o trabalho \( W \) realizado é: \[ W = \| F \| \, \| v \| \cos \theta, \] onde \(\theta\) é o ângulo entre os vetores \(F\) e \(v\).

Usando a definição de produto interno, temos: \[ W = \langle F, v \rangle. \]

3. Propriedades do Produto Interno

Para um espaço vetorial real \(V\), o produto interno \( \langle \cdot, \cdot \rangle \) deve satisfazer:

  • Positividade: \( \langle v, v \rangle \geq 0 \) e \( \langle v, v \rangle = 0 \iff v = 0 \).
  • Linearidade na 1ª entrada: \( \langle au + bv, w \rangle = a \langle u, w \rangle + b \langle v, w \rangle. \)
  • Simetria: \( \langle u, v \rangle = \langle v, u \rangle. \)
  • Homogeneidade: \( \langle \alpha u, v \rangle = \alpha \langle u, v \rangle. \)

4. Ortogonalidade

Dizemos que dois vetores \(u\) e \(v\) são ortogonais quando: \[ \langle u, v \rangle = 0. \]

Além disso, o ângulo \(\theta\) entre \(u\) e \(v\) é dado por: \[ \cos \theta = \frac{\langle u, v \rangle}{\| u \| \, \| v \|}. \] Quando \(\theta = 90^\circ\), temos \(\cos \theta = 0\) e, portanto, \(u\) e \(v\) são ortogonais.

5. Bases Ortogonais

Um conjunto de vetores \( \{v_1, v_2, \dots, v_n\} \) forma uma base ortogonal de \(V\) se: \[ \langle v_i, v_j \rangle = 0, \quad \text{para } i \neq j. \] Se, além disso, todos os vetores da base são unitários (\(\|v_i\|=1\)), a base é chamada de ortonormal.

Cálculo das Coordenadas em uma Base Ortogonal

Seja \( w \in V \) e \( \{v_1, v_2, \dots, v_n\} \) uma base ortogonal. Podemos escrever: \[ w = x_1 v_1 + x_2 v_2 + \dots + x_n v_n, \] onde os coeficientes \(x_i\) são dados por: \[ x_i = \frac{\langle w, v_i \rangle}{\langle v_i, v_i \rangle}. \]

6. Ortogonalização de Gram-Schmidt

Quando temos uma base \(\{u_1, u_2\}\) que não é ortogonal, podemos transformá-la em uma base ortogonal \(\{v_1, v_2\}\) usando: \[ v_1 = u_1, \quad v_2 = u_2 – \frac{\langle u_2, v_1 \rangle}{\langle v_1, v_1 \rangle} v_1. \] Em seguida, normalizamos: \[ \hat{v}_i = \frac{v_i}{\| v_i \|}. \]

7. Exemplo Numérico

Considere os vetores \( u_1 = (2,1) \) e \( u_2 = (1,1) \). Como \( \langle u_1, u_2 \rangle = 2 \cdot 1 + 1 \cdot 1 = 3 \neq 0 \), eles não são ortogonais.

Aplicando Gram-Schmidt: \[ v_1 = (2,1), \quad v_2 = (1,1) – \frac{3}{\langle (2,1),(2,1) \rangle}(2,1). \] Como \( \langle (2,1),(2,1) \rangle = 2^2 + 1^2 = 5 \), temos: \[ v_2 = (1,1) – \frac{3}{5}(2,1) = \left(1-\frac{6}{5}, 1-\frac{3}{5}\right) = \left(-\frac{1}{5}, \frac{2}{5}\right). \] Normalizando: \[ \hat{v}_1 = \frac{(2,1)}{\sqrt{5}}, \quad \hat{v}_2 = \frac{(-1,2)}{\sqrt{5}}. \]

Conclusão

O conceito de produto interno é essencial para definir normas, ângulos e ortogonalidade em espaços vetoriais. Ele permite trabalhar com bases ortogonais, calcular projeções e simplificar problemas de decomposição vetorial. Nas próximas aulas, exploraremos aplicações práticas desse conceito.

Aplicação do Produto Interno

Determinação da Constante Elástica da Mola

Na última vídeo aula estudamos espaços vetoriais e produto interno. Hoje vamos mostrar uma aplicação prática desses conceitos, utilizando o método dos mínimos quadrados para calcular a constante elástica de uma mola a partir de um experimento físico.

1. Experimento

Considere uma mola suspensa verticalmente. Ao acoplar diferentes massas \(m\), a mola sofre um alongamento \(x\), e a força aplicada é a força peso: \[ F = m \cdot g, \] onde \( g = 10 \, m/s^2 \) é a aceleração da gravidade.

O experimento consiste em medir o alongamento da mola para diferentes valores de massa:

Massa (kg)Força (N)Alongamento (cm)
1106,1
22012,9
33020
44027,2
55034,2

Pela Lei de Hooke, temos: \[ F = k \, x, \] onde \( k \) é a constante elástica da mola, que deve ser determinada.

2. Ajuste da Reta

Se os dados fossem ideais, os pontos \((x, F)\) estariam perfeitamente alinhados. No entanto, devido a erros experimentais, isso não ocorre exatamente. Para encontrar a reta \( F = kx \) que melhor se aproxima dos pontos, utilizamos o método dos mínimos quadrados.

Seja \( \mathbf{x} = (x_1, x_2, \dots, x_n) \) e \( \mathbf{y} = (F_1, F_2, \dots, F_n) \). O valor de \( k \) que minimiza a distância entre os pontos e a reta é dado por: \[ k = \frac{\langle \mathbf{y}, \mathbf{x} \rangle}{\langle \mathbf{x}, \mathbf{x} \rangle}, \] onde \(\langle u, v \rangle\) representa o produto interno: \[ \langle u, v \rangle = \sum_{i=1}^{n} u_i v_i. \]

3. Cálculo de \(k\)

Para os dados do experimento: \[ \langle \mathbf{y}, \mathbf{x} \rangle = 10 \cdot 6,1 + 20 \cdot 12,9 + 30 \cdot 20 + 40 \cdot 27,2 + 50 \cdot 34,2 = 6072. \] \[ \langle \mathbf{x}, \mathbf{x} \rangle = 6,1^2 + 12,9^2 + 20^2 + 27,2^2 + 34,2^2 = 4052,72. \] Logo: \[ k \approx \frac{6072}{4052,72} \approx 1,498 \, \text{N/cm}. \]

Assim, a força é dada por: \[ F = 1,498 \cdot x. \]

4. Observações

O método dos mínimos quadrados é amplamente utilizado não apenas para ajustar retas, mas também para curvas polinomiais, exponenciais e trigonométricas. É uma técnica poderosa presente em análises de regressão na estatística, em física experimental e em diversas áreas da engenharia e economia.

5. Conclusão

Nesta aula, aplicamos o produto interno e o método dos mínimos quadrados para determinar a constante elástica de uma mola. A mesma abordagem pode ser estendida para diversos tipos de ajustes experimentais, tornando-se uma ferramenta essencial para análise de dados.

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Exercícios Resolvidos

Estes exercícios complementam o estudo do produto interno e do método dos mínimos quadrados, abordando desde cálculos básicos até aplicações em ajuste de retas.

Exercício 1 – Produto Interno Básico

Calcule o produto interno dos vetores \( u = (2, -1, 3) \) e \( v = (4, 0, -2) \).

\[ \langle u, v \rangle = (2)(4) + (-1)(0) + (3)(-2) = 8 + 0 – 6 = 2. \] Logo, \( \langle u, v \rangle = 2 \).

Exercício 2 – Norma de um Vetor

Determine a norma do vetor \( w = (3, -4) \).

A norma de \( w \) é: \[ \| w \| = \sqrt{3^2 + (-4)^2} = \sqrt{9 + 16} = \sqrt{25} = 5. \]

Exercício 3 – Produto Interno e Ângulo

Encontre o ângulo entre os vetores \( u = (1, 2) \) e \( v = (3, 1) \).

O ângulo \(\theta\) é dado por: \[ \cos \theta = \frac{\langle u, v \rangle}{\|u\| \cdot \|v\|}. \] Calculando: \[ \langle u, v \rangle = (1)(3) + (2)(1) = 5, \] \(\| u \| = \sqrt{1^2 + 2^2} = \sqrt{5}, \; \| v \| = \sqrt{3^2 + 1^2} = \sqrt{10}.\) Assim: \[ \cos \theta = \frac{5}{\sqrt{5}\cdot \sqrt{10}} = \frac{5}{\sqrt{50}} = \frac{5}{5 \sqrt{2}} = \frac{1}{\sqrt{2}}. \] Portanto, \(\theta = 45^\circ.\)

Exercício 4 – Ajuste de Reta

Dadas as medidas \( x = (1, 2, 3) \) e forças \( y = (2, 4, 5) \), use o método dos mínimos quadrados para estimar o coeficiente \( k \) na equação \( y = kx \).

Temos: \[ k = \frac{\langle y, x \rangle}{\langle x, x \rangle}. \] Calculando: \(\langle y, x \rangle = (2)(1) + (4)(2) + (5)(3) = 2 + 8 + 15 = 25,\) \(\langle x, x \rangle = 1^2 + 2^2 + 3^2 = 1 + 4 + 9 = 14.\) Logo: \[ k = \frac{25}{14} \approx 1,79. \]

Exercício 5 – Valor Esperado (Produto Interno)

Um jogo possui resultados possíveis com probabilidades \( p = (0,25, 0,5, 0,25) \) e ganhos \( g = (10, -5, 20) \). Calcule o valor esperado \( E \) usando o produto interno.

O valor esperado é: \[ E = \langle p, g \rangle = 0,25 \cdot 10 + 0,5 \cdot (-5) + 0,25 \cdot 20 = 2,5 – 2,5 + 5 = 5. \] Logo, \( E = 5 \).

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